domingo, 4 de outubro de 2015

NO DISCURSO DO LIVRO DIDÁTICO

Entre a enorme variável dos textos persuasivos, um nos interessa muito de
perto, quer por haver perseguido nossa formação escolar, quer pelas implicações
ideológicas que possui: o livro didático.
Esse tipo de obra costuma estar marcada por duas variáveis fundamentais: a
estereotipia e a idealização. Vale dizer, a estandardização dos comportamentos,
da ética, dos pressupostos culturais, da visão acerca da família, do papel do
Estado, para ficarmos em alguns dos assuntos mais comuns aos livros didáticos,
em especial aqueles dedicados ao primeiro grau.
Tais livros são organizados em torno de temas como religião, riqueza,
pobreza, amizade, felicidade etc. É um procedimento que visa a ensinar as
primeiras letras: alfabetização, leitura; particularmente, pretende formar os
“bons hábitos”, despertar a criança para “os valores mais caros à sociedade”, o
respeito às leis, às tradições, enfim, aquele corpo de preceitos ditados como
expressivos e determinantes para a vida futura do educando. São, portanto,
textos de “forja”, de artesanato da alma, de inculcação dos modelos que as
classes dominantes determinaram como padrão de conduta.
Sendo livros idealizados, costumam esvaziar dos conceitos ensinados os
traços da História, deixando-nos uma fórmula que parece ter vindo de nenhum
lugar e se dirige para lugar algum. Por estarem marcadas pelo estereótipo, tais
obras conseguem apresentar modelos que pouco ou nada têm a ver com a
realidade da maioria das crianças, refletindo quase sempre formas ligadas ao
padrão de vida de uma pretensa classe média. Podemos ver que no livro
didático, conquanto nascido para a “neutra” função de alfabetizar, de servir
como instrumental de leitura, transita ideologias, configurando uma atitude
nitidamente persuasiva.
Um dos temas mais caros ao livro didático é o da família. Vejamos como
ela tratada por Yolanda Marques:

NO DISCURSO RELIGIOSO

Uma das formações discursivas mais explicitamente persuasivas é a
religiosa: aqui o paroxismo autoritário chega a tal grau de requinte que o eu
enunciador não pode ser questionado, visto ou analisado; é ao mesmo tempo o
tudo e o nada. A voz de Deus plasmará todas as outras vozes, inclusive a
daquele que fala em seu nome: o pastor. Estamos diante de um discurso de
autoria sabida, porém não-determinada, visto que a fala do pastor se constrói
como verdade não sua, mas do outro, aquele que, por ser considerado
determinação de todas as coisas, engloba todas as falas do rebanho.
Nesse sentido, o discurso religioso realiza uma tarefa sul generis enquanto
mecanismo de comunicação, pois, se os demais discursos autoritáriospersuasivos
podem vir a revelar a voz do sujeito falante, nele resta apenas a
noção de dogma. Não deixa de ser uma situação curiosa estar diante da mais
visível forma de persuasão e do mais invisível eu persuasivo! Deus não fala,
dado ser uma realidade imaterial quem fala em seu nome não é dono do
discurso: o pastor e apenas veículo, porta-voz, no máximo um “interpretador” da
palavra do Senhor.
Num feliz achado, Eni Orlandi designa esse processo o nome de
“ilusão da reversibilidade”. Ou seja, enquanto no discurso dos homens se abre a
possibilidade de ocorrer uma reversão no processo comunicativo (emissores e
receptores podem interagir), no discurso religioso tal procedimento se torna
impossível. Interagir com quem? Com Deus? Sabemos, no entanto, que isso é
impossível, porém ficamos com a “ilusão” do reversível, dado que os
representantes de Deus na Terra parecem falar ele. Podemos interagir na melhor
das hipóteses, com entidades de segundo grau, os pastores, por exemplo, que,
não sendo donos da fala (eles só reproduzem ou interpretam), dão a impressão
de serem sujeitos do discurso.
A título de exemplificação, vejamos um dos mais conhecidos textos
religiosos, o Credo:
1 Creio em Deus Pai todo-poderoso,
2 criador do Céu e da Terra;
3 e em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor;
4 que foi concebido pelo poder do Espírito Santo;
5 nasceu da Virgem Maria,
6 padeceu sob Pôncio Pilatos,
7 foi crucificado, morto e sepultado;
8 desceu à mansão dos mortos;
9 ressuscitou ao terceiro dia;
10 subiu aos Céus,
11 está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso,
12 donde há de vir a julgar os vivos e os mortos;
13 creio no Espírito Santo,
14 na santa Igreja católica,
15 na comunhão dos santos,
16 na remissão dos pecados,
17 na ressurreição da carne,
18 na vida eterna.
19 Amém.
1. O Credo, ou Profissão de Fé, nos coloca frente à relação entre o homem, a fé
e o dogma. O texto despren de-se de um plano meramente terreno, material
(humano, portanto), para uma dimensão de mistério e espiritualidade (do Senhor
Deus, da remissão, da salvação).
2. Tal passagem é matizada pela própria estrutura textual; o modo de organizar a
seqüência narrativa vai do eu oculto (creio) para vida eterna. Observando
melhor essa estrutura é possível identificar os passos do discurso clássicoaristotélico,
conforme já foi mostrado no primeiro capítulo deste livro. Dos
versos 1 a 4, encontra-se o exórdio; do 5 ao 12, a narração (com as provas); do
13 ao 19, a peroração (conclusão).
Exórdio
Aqui se apresenta a situação do eu, que sintaticamente está elidido, numa
posição de inferioridade e dependência perante o Senhor. Esse é o todopoderoso
capaz de criar um filho para ser o nosso Senhor. Senhor (seniore) nos
remete a uma realidade de posse feudal. medievalizante: é o amo, o dono, aquele
que domina e cujo poder é inquestionável. O exórdio deixa clara a falta de
igualdade entre o eu que crê (condição básica para a salvação) e Deus, cujo
único filho será o nosso Senhor.
A figura de linguagem que domina esta parte do discurso é a hipérbole. A
grandiosidade do todo- poderoso, capaz de criar céus e terras, só se compara a
pequenez do homem condenado a crer para se salvar. Por detrás da opacidade do
dogma e do mistério, lemos, através da hipérbole, a transparência de um
santificado jogo de poder e dominação.
Narração
A narração se encarrega de explicar e provar o nascimento, a vida e a morte
de Cristo. O longo acúmulo de verbos agiliza a leitura, dando ao texto um
incrível movimento interno. O que se coloca em primeiro plano é a morte e não
a vida, dado que esta é apenas o lugar para o exercício da capacidade de
provação do ser. A vida é a passagem, o locus purgativo, o teste para o
amadurecimento do espírito. A morte é o desfecho glorioso, circunstância
necessária para ganhar o reino do Céu, para se entregar à vida eterna. O Credo
ganha, aqui, dupla dimensão: dramática, visto contar a via crucis daquele que
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veio para nos salvar; e punitiva porque Ele estará pronto para nos julgar. Diante
de tal ameaça, o mecanismo persuasivo do discurso se reforça, pois sobre as
nossas cabeças pende a espada de uma justiça cujo executor não nos permite
qualquer tipo de interpelação.
A figura dominante agora é a antítese. Há um jogo entre morrer e ressuscitar.
Colocando em termos do homem, seria a tensão entre os apelos para uma vida
que priorizasse o espírito, dado que tudo prioriza a matéria. Morrer é um meio
para viver a felicidade eterna. Graças à crença e à fé, a morte se transforma em
vida.
Peroração
A conclusão só poderia retomar o verbo crer, pois aí está a condição básica
para a salvação. É em torno desse núcleo verbal que tudo se organiza: ele é
expansão e síntese dos sentidos.
A conclusão serve para fixar a situação do homem e o que dele deseja
Deus. Para o Senhor, o homem está em falta, em queda, ou seja, o sujeito não é,
mas pode vir a ser, superando-se e conseguindo, através da fé, encontrar a
salvação. É possível caracterizar o discurso religioso como dogmático, dado essa
sua natureza de inquestionabilidade.
3. Há uma série de outros mecanismos que acentuam a persuasão no discurso
religioso:
• uso do modo imperativo, o que revela a idéia de coisa pronta, acabada;
• o vocativo subjacente (creio), que afirma o chamamento ao sujeito;
• a função emotiva (afinal eu devo acreditar, ter fé. O problema da salvação está
comigo, o Senhor é o exemplo a ser seguido);
• o uso de metáforas que acentuam o ciframento do discurso religioso: a mansão
dos mortos e o ressuscitamento de todos só criam um jogo simbólico acerca do
inusitado do dogma;
• uso intenso de parábolas e da paráfrase; de um lado, a evocação alegórica, e, de
outro, a presença do texto bíblico;
• uso de estereótipos e chavões que possuem a força daquilo que Umberto Eco
chama de sintagmas cristalizados: “Oh! Senhor”, “todo-poderoso”, “criador”,
“nosso Senhor” etc.

ESQUEMAS BÁSICOS

Em um livro clássico, Técnicas de Persusão, J.A.C. Brown* insiste em que a
propaganda, ou a publicidade, usa alguns esquemas básicos a fim de obter o
convencimento dos receptores.
1. O uso dos estereótipos. São esquemas, fórmulas já consagradas. Por exemplo,
um sujeito bem vestido, limpo, de boa aparência, remete a uma certa idéia de
honestidade, modelo a ser seguido. Ele tende a “convencer pela aparência”. Daí
o estereótipo do pobre, do rico. Fórmulas lingüísticas aparecem comumente no
* BROWN, J.A.C. Técnicas de Persuasão; Rio de Janeiro, Zahar, 19/1.
discurso persuasivo: o “preclaro senhor”, “o dever do filho é obedecer aos pais”,
“a família que reza unida permanece unida”, “sem ordem não haverá progresso”
etc. A grande característica do estereótipo é que ele impede qualquer
questionamento acerca do que está sendo enunciado, visto ser algo de domínio
público, uma “verdade” consagrada.
2. A substituição de nomes. Mudam-se termos com o intuito de influenciar
positiva ou negativamente certas situações. Assim, em vez de falar que o
capitalismo vai mal, o sujeito diz que é preciso reaquecer a livre iniciativa. Os
comunistas viram os vermelhos; o goleiro no campo de futebol, o frangueiro. Os
eufemismos se prestam muito bem como exemplificação deste caso.
3. Criação de inimigos. O discurso persuasivo costuma criar inimigos mais ou
menos imagináveis. A publicidade do Cepacol revela muito bem esta questão. O
sabão em pó se justifica contra algo: a sujeira. O político que deseja substituir
o outro alega ineficácia (combater tal inimigo implicará mudança de
administrador).
4. Apelo à autoridade. É o chamamento a alguém que valide o que está sendo
afirmado. As citações de especialistas em determinadas dissertações, o uso que a
publicidade faz do dentista, do médico, do atleta, para tornar “mais real” a
mensagem, são exemplos inequívocos.
5.Afirmação e repetição. São dois importantes esquemas usados pelo discurso
persuasivo. No primeiro caso, a certeza, o imperativo: a dúvida e a vacilação são
inimigas da persuasão. No segundo caso, repetir significa a possibilidade de
aceitação pela constância reiterativa. Goebbels, o teórico da propaganda nazista,
apregoava que uma mentira repetida muitas vezes era mais eficaz do que a
verdade dita uma única vez.

TEXTOS PERSUASIVOS

Situadas algumas das relações existentes entre retórica, ideologia e
persuasão, passaremos à análise (melhor seria dizer indicações) de alguns textos
que ajudem a concretizar um pouco mais as relações apontadas anteriormente.

Na publicidade

Um texto publicitário (e vamos aqui, na medida do possível, abstrair o
aspecto fotográfico que comumente acompanha as peças verbais) pode tender à
busca de uma originalidade instigante, como se verifica em certos anúncios da
Kalvin Klein, ou seguir uma direção oposta, repetindo esquemas estereotipados,
feitos em menor grau de originalidade a exemplo das campanhas de sabão em
pó.
Pode-se se produzir um anúncio aparentemente rompedor de certas
normas preestabelecidas, causando um forte impacto no receptor através de
mecanismos de “estranhamento”, “situações incômodas”, que levam, muitas
vezes, à indagação ou à pura indignação. Particularmente em um momento em
que se opera uma certa redemocratização da sociedade brasileira é possivel à
publicidade mexer com tabus como o do homossexualismo, do complexo de
Édipo, temas esses que provocam incômodo em boa parte dos receptores. Talvez
por isso mesmo consigam se firmar persuasivamente.
É evidente que ao lado dos anúncios mais ousados, até mesmo inovadores,
em alguns casos, convive uma imensa maré de lugares-comuns, banalidades
como a de colocar um atleta para vender vitamina, um aparente dentista para
divulgar certa pasta dental, um bem-sucedido empresário para recomendar
determinada corretora de valores. Não deixam de ter esses casos, igualmente,
força persuasiva.
O texto publicitário nasce na conjunção de vários fatores, quer psicosociais-
econômicos, quer do uso daquele enorme conjunto de efeitos retóricos
aos quais não faltam as figuras de linguagem, as técnicas argumentativas, os
raciocínios.
Por exemplo:
“Nove entre dez estrelas do cinema usam Lux”.
1. O slogan está formado de sete palavras gramaticais
(deixa-se de lado preposições ou conectivos). Um bom slogan tem entre quatro
e sete palavras gramaticais; logo, o nosso exemplo seria, tecnicamente, de “bom
tamanho”.
2. O raciocínio é o mais formal possível. Trata-se de um silogismo (forma
de raciocínio que passa por três fases: premissa maior, premissa menor e
conclusão):
Premissa maior: As mais belas mulheres (do cinema usam Lux.
Premissa menor: Você é (ou quer ser) uma bela mulher.
Conclusão: Você deve usar Lux (assim será tão bela como as formosas atrizes).
3. Uso de figuras de retórica. Existem duas figuras prioritárias: a
comparação e a hipérbole. Através da primeira se relaciona a inatingível estrela
à mulher comum; com a segunda se comete um exagero respeitável (nove entre
dez, usam Lux!).
1.O slogan se abre para duas realidades de forte pressão psicossocial:
• Exclusão. Ninguém deseja ser socialmente excluído. Estar em companhia da
única feia (a que não usa Lux) é umasituação um tanto desagradável.
•Símbolo. Vivemos em um mundo que não gosta do feio. Ainda que não
saibamos muito bem o que vem a ser tal categoria estética, a simples palavra já
nos atemoriza. Ser belo é o mesmo que estar estigmatizado pelo sucesso e pelo
triunfo. O convite à beleza soa como obrigação.
Passemos a um outro exemplo. A Merril Moura Brasil fez o relançamento
nacional do Cepacol. O produto que, originalmente, tinha licença para ser
vendido como produto farmacêutico, passou, posteriormente, a ser
comercializado também nos supermercados. O sucesso da campanha foi enorme
e as vendas do Cepacol aumentaram enormemente. Vale lembrar que a agência
responsável pela elaboração da nova imagem do produto, a Caio Domingues &
Associados, criou uma personagem, o Bond Boca, que
passou então a viver intensas aventuras na televisão e ocupar espaços em
outdoors e páginas de jornais e revistas de todo o País.
1 Configuração do tipo.
Queixo largo, boca grande, cara de mocinho recém- saido do banho, ágil e
sempre bem-sucedido com as mulhres.
2. Situações
A deitivesca figura é inspirada no célebre agente inglês criado Ian Fleming,
James Bond. Como são ambos filhos de uma mesma idéia, a de combater
inimigos, põem-se a campo: James ataca o Dr. No, os agentes soviéticos, vilões
de toda ordem, desejosos de destruir o império de sua majestade e a democracia
ocidental; Boca age contra o Gargantão, o Zé Cariado, o Bafo-
-Bafo, todos capazes de contaminar a estabilidade do sistema bucal.
3.Repertório.
O universo vocabular é muito simples, expressões fortes como combate e
inimigo ajudam no sentido de uma rápida fixação por parte dos receptores.
4.Figuras.
As figuras de sons: aliteração (repetição de consoantes) e assonância (repetição
de vogais) são aquelas mais significativas na campanha do Cepacol. O jogo
sonoro Bond/Boca cria um sentido eufônico que produz uma nova significação:
“o bom de boca”. O movimento repetitivo BONdBOca acentua a
“explosividade” do nome.
5.Contextualizações.
Os elementos arrolados acima convergem para certas conotações que se
encontram no eixo combate/triunfo. Ou seja, Bond Boca descobre uma nova
arma para vencer seus inimigos: Cepacol. O resultado da vitória é o aumento do
prestígio social do “agente bucal”, particularmente junto às mulheres. Como
todo vencedor leva as batatas, cabe a Bond Boca a ritualização dos que têm
prestígio. No entanto, há que se notar onde o foco da campanha está situado. O
que interessa não é propriamente o super-agente Bond Boca, senão a sua arma,
aquilo que o diferencia dos demais. Cepacol retira o nosso herói do lugarcomum.
O herói da estória passa do sujeito para o produto.
Desnecessário relembrar que a persuasão foi sendo construída na
encruzilhada entre os recursos lingüístico e a exploração das representações
socialmente incorporadaspelos indivíduos.
6.Tipificações.
O texto publicitário do Cepacol é persuasivo e autoritário, podendo ser tipificado
dentro daquelas categorias Formuladas por Courdesses: •
Distância. O sujeito falante é exclusivo, ainda que, nesse caso, seja possível
falar em dois sujeitos: aquele que fez o slogan e a própria personagem que diz o
texto. Não cabe aqui delongar o assunto, consideremos para os nossos efeitos
que o sujeito seja Bond Boca. Note, a partir disso, como criamos a impressão de
que o sujeito parece sobrelevar-se ao produto. Afinal, quem nos é simpático é o
Bond Boca. É claro também que isso é apenas uma outra estratégia para
assegurar a fixação da marca do Cepacol.
• Modalização. Presença de imperativos (combate), da paráfrase (a campanha é
decalcada no agente 007).
• Tensão. É um eu impositivo; o receptor não pode responder, está condenado a
ser ouvinte.
• Transparência. O enunciado é de fácil absorção, trata do tema de um modo
agradável a ponto de não provocar dúvidas quanto ao que está sendo enunciado.

UM ESQUEMA

Colocados os diversos tipos discursivos e o grau de persuasão neles
contidos, vejamos um esquema que ajuda na melhor compreensão do interior
das unidades textuais. Segundo o que nos propõe Courdesses *, a análise dos
discursos deve ser considerada em função de quatro elementos: distância,
modalização, tensão, transparência. Façamos agora a adequação desses
elementos ao discurso autoritário e persuasivo.
1. Distância (atitude do sujeito falante face ao seu enunciado). — O
sujeito falante é exclusivo. O enunciado está marcado por uma espécie de
“desaparecimento” dos referentes. A voz do enunciador é mais forte do que os
próprios elementos enunciados.
2.Modalização (o modo como o sujeito constrói o enunciado). O texto
autoritário, persuasivo, possui traços muito peculiares: o uso do imperativo, o
caráter parafrástico etc.
* CORDESSES. Blum et Thorez en mai 1936; analyses d’énoncés. Langue Française, 9. Este
esquema está tratado com maiores detalhes no já citado livro de Eni Orlandi.
3. Tensão (relação que se estabelece entre o emissor e o receptor). O
emissor domina a fala do receptor; não abre espaço para a existência de
respostas. É um eu impositivo, é a voz de quem comanda.
4. Transparência (maior ou menor grau de transparência, ou opacidade, do
enunciado). Tende a uma maior transparência, visto tornar-se um enunciado
mais facilmente compreensível pelo receptor. A mensagem é mais claramente
afirmada. Com isso, o signo tem seu grau de polissemia diminuído. A metáfora
não convive muito bem com a violência do convencimento autoritário.
No próximo capítulo serão analisados alguns textos em que esses elementos
serão retomados.

O DISCURSO AUTORITÁRIO

Essa é a formação discursiva por excelência persuasiva. Conquanto no
discurso polêmico também haja persuasão, é aqui que se instalam todas as
condições para o exercício de dominação pela palavra. Aquilo que se
convencionou chamar de processo de comunicação (eu-tu -eu praticamente
desaparece, visto que o tu se transforma em mero receptor, sem qualquer
possibilidade de interferir e modificar aquilo que está sendo dito. É um discurso
exclusivista, que não permite mediações ou ponderações. O signo se fecha e
irrompe a voz da “autoridade” sobre o assunto, aquele que irá ditar verdades
como num ritual entre a glória e a catequese.
O discurso autoritário lembra um circunlóquio: como se alguém falasse
para um auditório composto por ele mesmo. É na forma discursiva que o poder
mais escancara suas formas de dominação. Enquanto o discurso lúdico e o
polêmico tendem a um maior ou menor grau de polissemia, o autoritário fixa-se
num jogo parafrásico, ou seja, repete uma fala já sacramentada pela instituição:
o mundo do diálogo perdeu a guerra para o mundo do monólogo. A sociedade
moderna está fortemente impregnada desta marca autoritária do discurso. A
persuasão ganhou força de mito. Afinal, a propaganda é ou não é a alma do
negócio?
O discurso autoritário é encontrável, de forma mais ou menos mascarada, na
família: o pai que manda, sob a máscara do conselho; na igreja: o padre que
ameaça sob a guarda de Deus; no quartel: o grito que visa a preservar a ordem e
a hierarquia; na comunicação de massa: chamado publicitário que tem por
objetivo racionalizar o consumo; há, ainda, longos etecéteras a serem
percorridos.

O DISCURSO POLÊMICO

Cria um novo centramento na relação entre os inter- locutores,
aumentando o grau de persuasão. Agora, os conceitos enunciados são dirigidos
como num embate/debate. Há uma luta onde uma voz tenderá a derrotar a outra.
Nesse caso, o grau de polissemia tende a baixar, dado existir o desejo do eu em
dominar o referente. O discurso polêmico possui um certo grau de instigação,
visto apresentar argumentos que podem ser contestados. Digamos que o
enunciador opera a uma abertura sob controle. O importante é que: “...os
participantes não se expõem, mas ao contrário procuram dominar o seu
referente, dando-lhe uma direção, indicando perspectivas particularizantes” *
* ORLANDI, Eni. A linguagem e seu funcionamento. São Paulo, Brasiliense, 1983. p.10.
O discurso polêmico pode ser encontrado em situações muito variadas:
uma discussão entre amigos, uma defesa de tese, um juízo sobre urna questão
nacional, um editorial jornalístico ou uma aula.